Uma obra-prima portuguesa… com certeza
Laureado pela crítica em Cannes, em 2017, 'A Fábrica de Nada' enfim vai estrear no Brasil, trazendo para o país uma reflexão sobre a orfandande política de uma Europa em crise

Rodrigo Fonseca
Tem cinema português (e dos bons) chegando ao circuito brasileiro: a Imovision vai lançar “A Fábrica de Nada”, de Pedro Pinho, cerca de um ano e meio depois de sua consagração no Festival de Cannes. É uma mistura de gêneros e de indicações em nome do sucateamento moral dos novos tempos. Estreia dia 27 de setembro, com seu debate sobre a orfandade política do Velho Mundo em relação aos discursos metanarrativos dos séculos XIX e XX (marxismo, anarquismo, liberalismo).
Embora não dispute a Palma de Ouro desde 2006, quando “Juventude em Marcha”, de Pedro Costa, deixou marcas de contemplação e reflexão social marcadas nas retinas da Croisette, Portugal não ficou de fora dos 70 anos de Cannes, em 2017. Não haveria como a festa mais nobre do cinema autoral do mundo ficar sem um traço da autoralidade lusa. E o representante português de então acabou laureado com o prêmio da Fipresci, a Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica. Exibido na Quinzena dos Realizadores de 2017, “A Fábrica de Nada” é um exercício de ativismo de Pedro Pinho. Trata-se de uma produção de quase três horas de duração, misturando musical, realismo social, perplexidade e humor vem marcar a presença de nossa antiga metrópole na Croisette.
Há quem diga que o longa-metragem foi a experiência de linguagem mais ousada do evento em 2017, entre os quase 400 filmes selecionados pela curadoria cannoise. Diretores lusos sempre tiveram boa sorte nessa seção paralela à briga pela Palma. Foi lá que nasceu o épico cítrico e crítico “As 1001 Noites”, de Miguel Gomes, em 2015. O exercício narrativo de Pinho pode ter uma linha tão livre e anárquica quanto a de Miguel. Ou pode, no mínimo, provocar tanto quanto ele provocou em Cannes, com sua aposta em “não-atores”, que não tiveram acesso ao roteiro – Pinho escreveu todas as falas, mas conversou com cada um de seus “intérpretes” separadamente, de modo a criar um rodízio de surpresas ao longo das filmagens.
Em “A Fábrica de Nada”, um grupo de operários se encrespa com a administração de sua indústria (de elevadores) ao percebe que alguém da gerência está roubando máquinas e matérias-primas. Incomodados, eles fazem um levante, que tem um ônus: todos serão obrigados a permanecer em seus postos, sem nada para fazer, enquanto prosseguem as negociações para uma demissão coletiva. No ócio, acontecimentos e ritos nada usuais tomam conta do lugar.
Uma frase dele é digna de anotação e discussão: “O mundo não se divide mais entre Direita e Esquerda, mas sim entre aqueles que se submetem e aqueles dispostos a abrir mão de seus sonhos, dos telefones celulares, das viagens à Lua”. Na mistura de tudo e mais um pouco, nasce uma obra-prima.
Avaliação Rodrigo Fonseca
