O último poema
Mirela Kruel debuta na direção com documentário sobre Carlos Drummond de Andrade
Filme de estreia da gaúcha Mirela Kruel, “O último poema” apresenta a amizade improvável entre uma adolescente interiorana e um dos maiores escritores da literatura brasileira. A surpreendente amizade começa quando a jovem Helena Maria Baibinot Vicari, então no colegial, toma coragem para escrever uma carta a Carlos Drummond de Andrade, no início da década de 1960. A resposta do poeta ao contato da admiradora dá início a uma intensa troca de correspondências, que se manteria ativa até a sua morte, em 1987.
São essas missivas a matéria-prima do documentário de Kruel, que intercala o depoimento da própria Helena com a dramatização dessas correspondências pelos atores Janaina Kremer e Rodrigo Fiatt. Ilustrado por lençóis impressos com o teor dos textos e por belos planos abertos de paisagens do Rio de Janeiro, cidade escolhida pelo poeta como sua moradia, e Guaporé, onde reside Helena, “O último poema” possui um apurado sendo estético e é dominado, por vezes, por um ar contemplativo, dando espaço para que a poesia de Drummond fale por si só.
Curiosamente, essas imagens dão um tom simbolista à obra, gênero literário ao qual o modernismo do poeta se opunha, mas o maior valor, artístico e documental, do filme de Mirela está presente no retrato delicado que a diretora faz da amizade entre os dois. A paixão pela palavra escrita é o elemento comum que os une mesmo a quilômetros de distância e Drummond, que, reservado, sempre fez da discrição uma de suas características mais marcantes, desarma-se diante da leitora que ele nunca chegou a conhecer pessoalmente, oferecendo ao destinatário, o público, detalhes de sua personalidade sensível e atenciosa. Os depoimentos de Helena, por sua vez, com a câmera em close e a profundidade de campo reduzida, transmitem a cumplicidade existente e revelam a imagem acolhedora do poeta, cujo estereótipo está comumente associado à amargura e solidão.
Ao retratar com tanto carinho o homem, o documentário de Mirella Kruel presta também uma homenagem à Helena, cuja audácia juvenil deu origem a um acervo revelador e profundamente pessoal do poeta Carlos Drummond de Andrade.
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